MESA-REDONDA

Dia 10 de Julho, às 11h Tema: Pesquisa e Documentação

Tema: Patrimônio musical e linguístico dos candomblés da Bahia: uma perspectiva diacrônica
Xavier Vatin, Professor Associado de Antropologia na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Em sete de setembro de 1940, o linguista afro-americano Lorenzo Turner (1890-1972) desembarca na Bahia, acompanhado pelo sociólogo E. Franklin Frazier. Além da imprensa baiana, ambos são recebidos pelo antropólogo Donald Pierson, que desenvolve pesquisas sobre relações raciais na Bahia. O projeto de Lorenzo Turner consiste em gravar e estudar as línguas africanas faladas e cantadas nos candomblés da Bahia (iorubá, fon, kikongo, kimbundu, entre outras) no intuito de compará-las com aquilo que registrou na década de 1930 com os Gullah, descendentes de escravos em situação de isolamento geográfico na região das Sea Islands, no litoral da Carolina do Sul e da Georgia, nos EUA. O objetivo de Turner é comprovar a preservação de um fundo linguístico oeste-africano em locais e comunidades peculiares da diáspora africana nas Américas. Alguns anos depois, em 1949, Turner seria o primeiro linguista a definir o Gullah como uma língua crioula, revolucionando a linguística norte-americana e tornando-se um dos precursores da crioulística.
Ao longo de sete meses de pesquisas intensivas realizadas em Salvador e no Recôncavo, Turner grava, registra e fotografa os mais eminentes sacerdotes e sacerdotisas dos candomblés da época, entre os quais Martiniano do Bonfim, Menininha do Gantois, Joãozinho da Goméia e Manoel Falefá. O acervo coletado por Lorenzo Turner na Bahia representa dezenas de horas de gravações musicais e linguísticas, além de fotografias, anotações de campo, correspondências e transcrições linguísticas. As gravações originais de Turner no Brasil (reunidas em 329 discos de alumínio gravados na Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Sergipe e Mato Grosso), de uma excelente qualidade sonora para a época, encontram-se nos Archives of Traditional Music da Indiana University, em Bloomington, nos EUA.
O trabalho de campo realizado por Turner na Bahia se inscreve em um contexto histórico peculiar e instigante: em apenas uma década (1937-1946), a Bahia se torna, com a vinda dos norte-americanos Ruth Landes, Donald Pierson, E. Franklin Frazier, Melville J. Herskovits e dos franceses Roger Bastide e Pierre Verger, o laboratório predileto para os estudos sobre a diáspora africana nas Américas, de onde surgiria, décadas depois, o conceito de Atlântico Negro. A busca dos africanismos tem um lugar de destaque nos trabalhos de Turner, Herskovits, Bastide e Verger. Para eles, o candomblé representa uma África transposta nas Américas, .através dos seus elementos mitológicos, litúrgicos, linguísticos e musicais. Desses quatro estudiosos, Turner permanece até hoje o mais desconhecido. Acreditamos que sua condição de homem negro, tanto no Brasil como nos EUA, tenha contribuído para a falta de visibilidade e reconhecimento de sua obra pioneira e multifacetada.
Fruto de uma pesquisa realizada na Indiana University em 2012/13, com financiamento da CAPES, o projeto Memórias Afro-Atlânticas visa, em primeiro lugar, à restituição, para as comunidades religiosas envolvidas, do acervo sonoro e fotográfico coletado por Turner na Bahia, trazendo do passado vozes e memórias diaspóricas de personalidades emblemáticas do povo-de-santo da Bahia e do Brasil.

Tema: Entre a memória e o sagrado: documentação e formação de acervos das festas religiosas de tradições populares do Recôncavo da Bahia.
Profa. Dra. Francisca Helena Marques (BA), Laboratório de Etnomusicologia, Antropologia e Audiovisual (LEAA/Recôncavo), Núcleo de Memória e Documentação do Recôncavo (NUDOC/UFRB), Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT/UFRB)
Um dos aspectos fundamentais das práticas da etnomusicologia contemporânea concerne à documentação e a formação de acervos das músicas de tradição oral e das festas religiosas populares.
O Recôncavo baiano, considerado um potente polo irradiador da cultura afro-brasileira, abriga entre celebrações, formas de expressão e os mais diversos saberes, “lugares de memória”, que expandidos da acepção de Pierre Norra (1993) de “instituições-memória”, estão nas pessoas, nas ruas, nas casas, nas igrejas e nos terreiros de candomblé, onde se expressam como símbolos e suportes da memória coletiva.
Nesse trabalho, apresento o resultado de duas décadas de pesquisa e documentação desses ciclos anuais festivos e sincréticos presentes nas procissões das irmandades religiosas, nas festas de Santo católicas, de Orixás e Caboclos. Nele, a memória e o sagrado estão expressos entre o ritual e o mito, o oral e a música, e se traduzem na religiosidade e na dinâmica da fé como communitas (Turner, 2013).
Se nos validarmos do pensamento do antropólogo Joël Candau (2009) sobre a exteriorização da memória, podemos pensar os arquivos como “extensões da memória ou como uma forma de transmissão memorial”. É nesse sentido, e como lugar de memória (institucional), assim como elemento de identidade e significados, que também apresento a atuação do Arquivo de Som e Imagem Dalva Damiana de Freitas (ASID) como espaço de documentação, preservação e organização de acervos da música e das práticas culturais e religiosas do Recôncavo da Bahia.
Palavras chave: documentação, festas religiosas, arquivos

Tema: A música nos regulamentos da Companhia de Jesus
Prof. Dr. Marcus Holler (SC).
A presença da Companhia de Jesus na América colonial foi relevante não somente pelo uso da música e de instrumentos musicais, mas também pela documentação produzida no período, documentação esta que, apesar de parcial e restrita, é uma considerável fonte de informações para a pesquisa histórico-musicológica.
O objetivo desta comunicação é apresentar uma discussão sobre a música nos regulamentos da Companhia de Jesus a partir da sua criação oficial em 1540, e sobre a forma como a relação da ordem com a prática musical é vista atualmente pela musicologia histórica.